segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Pode a totalidade da mente tornar-se silenciosa?

(...) Para a maioria de nós, o pensar é de suma importância; mas é de fato? Ele tem sua importância, mas o pensamento não pode descobrir aquilo que não é produto do pensamento. O pensamento é resultado do "conhecido" e, por conseguinte, não pode sondar o "desconhecido", o incognoscível. O pensamento não é desejo, desejo que tem por objeto as necessidades materiais ou um elevado alvo espiritual? Não nos referimos ao pensamento do cientista, no seu laboratório, ou o pensamento do matemático, absorvido em seus cálculos, etc., porém ao pensamento conforme opera em nossa vida de cada dia, em nossos diários contatos e reações. Para subsistir, somos forçados a pensar. O pensar é o processo da subsistência de um indivíduo ou de uma nação. O pensar — que é desejo, sob o aspecto mais vulgar ou mais sublime — é sempre e necessariamente egocêntrico e um fator de condicionamento. Não importa se estamos pensando no Universo, em nosso próximo, em nós mesmos, ou em Deus — todo pensar é limitado, condicionado, não acha?(1)
(...) Temos acumulado conhecimentos a respeito de tantos aspectos da vida — medicina, guerra, leis, ciências — e temos pelo menos algum conhecimento de nós mesmos, de nossa consciência. Com tão vasto cabedal de conhecimentos, estamos livres do sofrimento, da guerra, do ódio? Se soubermos mais ainda, seremos libertados? Podemos saber que a guerra será inevitável enquanto o indivíduo, o grupo, o país for ambicioso, ávido de poder, e no entanto cada um de nós continua a seguir o caminho que conduz à guerra. Aquele centro onde se gera o antagonismo, o ódio, pode ser transformado radicalmente pelo conhecimento? O amor não é o oposto do ódio; se, pelo conhecimento, se transforma o ódio em amor, isso não é amor. Essa transformação produzida pelo pensamento, pela vontade, não é amor, porém, tão só, uma outra forma conveniente de autoproteção. (2)
(...) O pensamento é reação do pretérito, reação da memória, não é exato? A memória é tradição, experiência, e sua reação a qualquer experiência nova é produto do passado; nessas condições, a experiência está sempre a tornar mais forte o passado. A mente é o resultado do passado, do tempo; o pensamento é o produto de muitos dias passados. Quando o pensamento deseja transformar-se, tentando ser ou não ser isto ou aquilo, apenas perpetua a si mesmo, sob um nome diferente. Sendo produto do "conhecido", o pensamento nunca poderá experimentar "o desconhecido"; resultado do tempo, nunca compreenderá o atemporal, o Eterno. O pensamento deve cessar para que possa existir o Real.(3)
Veja senhor, temos tanto medo de perder aquilo que pensamos possuir, que nunca examinamos a fundo estas coisas. Só damos atenção à superfície de nós mesmos e vivemos a repetir palavras e frases de muito pouca significação; e, assim, continuamos medíocres e geramos antagonismos tão irrefletidamente como geramos filhos.(4)
Não há dúvida de que a mente está sempre a buscar algum resultado, algum meio de realizar algo. A mente é um instrumento que foi ajustado, parte por parte, ela é produto do tempo e só pode pensar em termos de resultado, de realização, de algo que se precisa ganhar ou evitar.(5)
(...) O próprio pensamento é o fabricante dessa rede; o pensamento só pode conduzir à amplidão do tempo, que é a esfera onde o saber, a ação, a virtude, têm muita importância. O raciocinar, por mais requintado ou por mais simples que seja, não pode quebrar o pensamento. A consciência como "experimentador", "observador", "selecionador", "censor", "vontade", tem de extinguir-se, voluntariamente, de maneira feliz, sem esperança alguma de recompensa. Deixa então de existir a entidade que busca. Isso é meditação. A realidade não pode ser procurada; ela existe quando aquele que busca não existe. A mente é tempo, e o pensamento não pode descobrir o imensurável.(6)
(...) Quando a mente está toda ocupada com suas penas, esperanças e temores, não lhe sobra espaço para a liberdade. O processo egocêntrico do pensamento só serve para tolhê-la mais ainda; e assim começa a funcionar o círculo vicioso. A preocupação desvaloriza, amesquinha, superficializa a mente. Uma mente preocupada não é uma mente livre, e a preocupação a respeito da liberdade gera, do mesmo modo, mediocridade. A mente permanece medíocre, quer esteja preocupada com Deus, o estado, a virtude ou o próprio corpo. Essa preocupação com o corpo impede a adaptabilidade ao presente, impede-lhe de adquirir vitalidade e mobilidade, mesmo em grau limitado. O "eu", com suas preocupações, atrai sobre si mesmo penas e problemas, que também atingem o corpo; e a apreensão relativa aos males físicos opera, mais ainda, em detrimento do corpo. Não significa isso que se deva ser negligente com a saúde, mas a preocupação com a saúde, tal como a preocupação com a Verdade, com idéias, só serve para proteger a mediocridade da mente. Há uma vasta diferença entre a mente preocupada e a mente ativa. A mente ativa está em silêncio, vigilante, sem fazer escolha.(7)
(...) O silêncio deve ser diligentemente cultivado, nutrido, fortalecido? E quem é o "cultivador"? Ele é diferente da totalidade do nosso ser? Existe silêncio, uma mente tranquila, quando um desejo domina todos os demais ou levanta defesas contra eles? Há silêncio quando se disciplina, molda e controla a mente? Não subentende tudo isso a existência de um censor, um pretenso "eu superior", que controla, julga, escolhe? Mas existe tal entidade? Se existe, não é produto do pensamento? O pensamento que se divide em "superior" e "inferior", "entidade permanente" e "entidade impermanente", é, obstante, produto do passado, da tradição, do tempo. Nesta divisão ele acha a sua própria segurança. Agora, o pensamento, buscando a segurança no silêncio, postula um método ou sistema que lhe ofereça o que deseja. Em lugar das coisas mundanas, aspira agora ao prazer do silêncio, fazendo, assim, nascer o conflito entre o que é e o que deveria ser. Não há silêncio, onde há conflito, repressão, resistência... Não haverá silêncio, se existe uma entidade a buscá-lo. Só se realizará o silêncio da mente tranquila, quando não existir mais "o que busca", quando não existir mais o desejo. Sem responder, faça esta pergunta a si mesmo: Pode a totalidade de nosso ser tornar-se silenciosa? Pode a totalidade da mente — a mente consciente e bem assim a inconsciente — tornar-se tranquila?(8)
(...) Não é curioso como a mente engana a si mesma? A mente não gosta de ser perturbada, não gosta de ser arrancada de seus velhos padrões, seus confortáveis hábitos de pensamento e de ação; ao ver-se perturbada, procura meios e modos de estabelecer novas delimitações, novas "pastagens", onde possa viver em segurança. É essa zona de segurança que quase todos andamos buscando, e o desejo de proteção, segurança, nos faz dormir. Circunstâncias, uma palavra, um gesto, uma experiência, poderão acordar-nos, perturbar-nos, contudo desejamos voltar a dormir novamente. Isso está acontecendo a todas as horas, à maioria de nós e não é um estado desperto. O que precisamos compreender são as maneiras em que a mente se põe a dormir, não acha?(9)
(...) Se cuidarmos apenas de conhecer as maneiras como a mente se põe a dormir, iremos de novo encontrar um meio, talvez diferente, de vivermos sem perturbações, em segurança. O importante é "ficar desperto" e não perguntar como ficar desperto; o desejo de como é desejo de segurança.
"Que se pode fazer então?"
Ficar com o descontentamento, sem o desejo de apaziguá-lo. O desejo de não ser perturbado é o que deve ser compreendido. Esse desejo, que assume várias formas, é o impulso a fugir de o que é. Desaparecendo esse impulso — não em virtude de compulsão, sob qualquer forma, consciente ou inconsciente — só então desaparece a dor do descontentamento. A comparação de o que é com o que deveria ser, causa dor. O cessar da comparação não é um estado de contentamento; é um estado de vigilância, livre das atividades do "eu".(10)
(...) "Mas como esvaziar a mente de seu saber?"
Não há nenhum "como". A prática de qualquer método só pode tornar a mente mais condicionada ainda, porque, com ele, temos um resultado e não uma mente livre do saber, do "eu". Não se necessita de método, porém, apenas, de um percebimento passivo da verdade relativa do saber.(11)
(...) O reconhecimento é o "processo do conhecido", produto do passado. A mente tem medo daquilo com que não está familiarizada... O que se experimenta se torna "o conhecido", o passado, e é desse passado, desse conhecido, que provém o reconhecimento. Enquanto houver esse movimento, vindo do passado, não existirá "o novo".(12)
(...) O pensamento é produto do tempo; o pensamento está ancorado no passado, não pode em tempo algum existir livre do passado. Se o pensamento se liberta do passado, deixa de ser pensamento. Especular sobre o que existe além da esfera da mente é de todo em vão. Para intervenção dAquilo que se acha além do pensamento, é necessário que o pensamento — o "eu" — deixe de existir. A mente deve estar, de todo, imóvel, tranquila — com a tranquilidade da ausência de "motivo". A mente não pode atraí-lo a si. A mente pode dividir, e de fato divide, a sua esfera de atividades, classificando-as em nobres e ignóbeis, desejáveis e indesejáveis, superiores e inferiores, mas todas estas divisões e subdivisões estão dentro dos limites da própria mente; e, assim, todo movimento da mente, em qualquer direção que seja, é reação do passado, e aquele que não a percebe permanecerá na sua escuridão, não importa o que faça; suas penitências e votos e disciplinas e sacrifícios poderão ter uma significação sociológica, confortante, mas nenhum valor tem, com relação à Verdade.(13)
A mente é semelhante a uma máquina a funcionar noite e dia, está sempre a "tagarelar" e sempre ocupada — acordada ou dormindo. Ela é veloz e inquieta como o mar. Uma outra parte dessa intrincada e complexa máquina procura controlar o seu movimento e, desse modo, começa o conflito entre os desejos e ânsias opostas. Uma parte pode ser chamada "eu superior" e a outra "eu inferior", mas todas as duas se acham na esfera da mente. A ação e reação da mente, do pensamento, são quase simultâneas e quase automáticas. Todo esse processo — consciente e inconsciente, de aceitação e rejeição, de sujeição e luta para ser livre, é extremamente rápido. A questão, pois, não é de como controlar esse complexo mecanismo, já que todo controle produz atrito e dissipação de energia; a questão é de saber se essa mente, que se move tão acelerada, pode diminuir a sua velocidade.(14) Reflexões sobre a vida, pág. 252
(...) Nunca notou, senhor, que quando estamos a observar uma coisa, a mente se torna mais lenta? Ao observar aquele carro que lá vai, pela estrada, ou ao olhar atentamente para qualquer objeto físico, a sua mente não está funcionando mais devagar? A vigilância, a observação torna, de fato, a mente mais vagarosa. O contemplar um retrato, uma imagem, um objeto, serve para aquietar a mente, o que também se consegue com a repetição de uma frase; mas, nesse caso, o objeto ou a frase se torna muito importante, mais importante do que a diminuição da velocidade da mente e o que é possível descobrir então... Prestamos deveras atenção a alguma coisa, ou interpomos entre o observador e a coisa observada uma cortina de preconceitos, valores, juízos, comparações, condenações?... Se me permite sugerir, não se deixe embargar por palavras ou por conclusões positiva ou negativa. Pode haver observação sem essa cortina? Por outras palavras, pode haver atenção quando a mente está ocupada? Só a mente desocupada pode prestar atenção. A mente se torna lenta, alertada, quando há vigilância, que é a atenção da mente desocupada.(15)
(...) A mente é o resultado de muitos milhares de anos de tradição e experiência. É capaz de invenções fantásticas, desde as mais simples às mais complexas. É capaz de extraordinárias alucinações, e vastas percepções. As experiências e esperanças, as ânsias, as alegrias e os conhecimentos acumulados, tanto do grupo como do indivíduo, tudo está lá, depositado nas camadas mais profundas da consciência, e é possível ressuscitar as experiências, visões, etc., herdadas e adquiridas. Dizem que certas drogas podem produzir uma lucidez, uma visão de grandes profundidades e alturas, libertar a mente de suas agitações, conferindo-lhe grande energia e acuidade. Mas é necessário a mente atravessar esses ocultos e sombrios corredores para alcançar a luz? E quando por qualquer desses meios ela encontra luz, é a luz do Eterno? Ou é a luz do "conhecido", da coisa reconhecida, produto da busca, da luta, da esperança? É necessário passar por esse fastidioso "processo" para se achar o imensurável? Pode-se deixar de lado tudo isso e chegar àquilo que se pode chamar amor?(16)
(...) É necessário passar por todas essas experiências? São elas necessárias para abrir a porta do Eterno? Não podem ser deixadas de lado? O essencial, afinal de contas, é o autoconhecimento, que faz nascer a mente tranquila. A mente tranquila não é produto da vontade, da disciplina, das várias praticas destinadas a subjugar o desejo. Todas essas práticas e disciplinas só tem o efeito de fortalecer o "eu", e a virtude se torna então um outro rochedo, sobre o qual o "eu" pode edificar a sua morada de importância e respeitabilidade. A mente precisa estar vazia do "conhecido", para que se torne existente o incognoscível. Se não se compreende as atividades do "eu", a virtude começa por vestir a capa da importância. O movimento do "eu", com sua vontade e desejo, suas buscas e acumulações, tem de cessar inteiramente. Só então se tornará existente o atemporal. O atemporal não pode ser chamado ou atraído. A mente que procura atrair o Real por meio de várias práticas e disciplinas, por meio de preces e atitudes, só pode receber suas próprias e agradáveis "projeções", que não são o Real.
"Percebo agora, depois de tantos anos de asceticismo, disciplina e automortificação, que minha mente está cativa na prisão que ela própria construiu, e que as paredes dessa prisão precisam ser demolidas. Como por mãos à obra?"
O próprio percebimento de que elas precisam desaparecer é suficiente. Toda ação, visando demoli-las, põe em movimento o desejo de realização, ganho, fazendo, portanto, nascer o conflito dos opostos, o "experimentador" e a "experiência", a entidade que busca e a coisa buscada. Perceber o falso como falso é, em si, suficiente, porquanto esse próprio percebimento liberta a mente do falso.(17)
(...) A mente está cativa na prisão que ela própria construiu, a prisão de seus desejos e esforços, e todo movimento dela, em qualquer direção, se faz dentro dos limites da prisão; mas, não estando cônscia disso, a mente, no seu sofrer e no seu conflito, busca um agente exterior que possa libertá-la. Em geral, acha o que procura, mas esse achado é produto de seu próprio movimento. Ela continua cativa, cm a só diferença de ser uma prisão nova — o que lhe é mais satisfatório e confortante.(18)
(...) Se a mente perceber a verdade disso, não à força de argumentação, convicção ou crença, mas pelo ser simples e atenta, tem então fim o pensamento. O findar do pensamento não é sono, abatimento da vitalidade, estado de negação; é um estado de todo diferente.(19)

(1) Reflexões sobre a vida, pág. 206
(2) Reflexões sobre a vida, pág. 207
(3) Reflexões sobre a vida, pág. 207
(4) Reflexões sobre a vida, pág. 207
(5) Reflexões sobre a vida, pág. 184
(6) Reflexões sobre a vida, pág. 184
(7) Reflexões sobre a vida, pág. 216
(8) Reflexões sobre a vida, pág. 216-217
(9) Reflexões sobre a vida, pág. 220
(10) Reflexões sobre a vida, pág. 220-221
(11) Reflexões sobre a vida, pág. 228
(12) Reflexões sobre a vida, pág. 236
(13) Reflexões sobre a vida, pág. 237-238
(14) Reflexões sobre a vida, pág. 252
(15) Reflexões sobre a ida, pág. 253
(16) Reflexões sobre a vida, pág. 259-260
(17) Reflexões sobre a vida, pág. 260-261
(18) Reflexões sobre a vida, pág. 242
(19) Reflexões sobre a vida, pág. 243

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