Creio que a maioria de nós percebe a necessidade de uma revolução radical de que resulte uma nova dimensão do pensamento, isto é, que comecemos a pensar num nível completamente diferente, pois, de modo nenhum podemos continuar como estamos, e sempre estivemos, ou seja repetindo um padrão e "funcionando" dentro de seu limites. O comportamento ou conduta restrita a um conceito... o funcionar dentro de um padrão constitui uma continuidade do que foi; e penso que a maioria de nós está bem consciente de que essa "revolução de repetição", não é a verdadeira revolução.
(...) Mas como, de que maneira e em que nível irá se realizar essa revolução? Veja o que está ocorrendo neste país: industrialmente, talvez esteja progredindo muito; cientificamente, um pouco atrasado, bastante na retaguarda, quem sabe, do Ocidente; mas, moral, intelectual e religiosamente, se acha estagnado... E se observa, também, que a mente, o próprio cérebro se tornou mecânico e, por conseguinte, repetitivo: lhe ensine um certo padrão de comportamento, certas normas de conduta, certas atitudes, desejos, ambições, etc., e ele ficará funcionando dentro desse canal, desse padrão. Observa-se tudo isso... tanta miséria, sordidez, ineficiência, absoluta falta de consideração por quem quer que seja, total ausência de afeição, de amor, a perpétua repetição de frases, idéias, teorias sobre a existência ou inexistência de Deus, o padrão socialista, o padrão religioso, o padrão comunista, etc.
Ora, observando-se tudo isso, se percebe a necessidade de uma radical transformação da própria natureza do cérebro. O cérebro, dizem os antropólogos, existe há dois milhões de anos. E podemos continuar por outros dois milhões de anos a repetir o mesmo padrão: sofrimento, dor, mulher, família, filhos, marido, disputas, nacionalidades, esquerda, direita, a asserção de que há Deus, a asserção de que não há Deus, de que devemos ser virtuosos, de que devemos isto ou aquilo. Podemos continuar indefinidamente a repetir o mesmo padrão — ligeiramente modificado, alterado, mas sempre repetido.
Pode-se, por conseguinte, ver que a própria natureza do cérebro deve passar por uma tremenda revolução — revolução que lhe interessa, não na qualidade de indivíduo unicamente interessado em seu pequeno cérebro, porém, na qualidade de ente humano.
(...) É possível a você e a mim promover essa mutação no uso do próprio cérebro, uma revolução que não seja processo gradativo, no tempo, porém revolução, mutação imediata, resultante da compreensão imediata? Quando falamos de "compreensão" entendemos, com efeito, que compreendemos alguma coisa imediatamente, e não que a "compreenderemos depois de amanhã" — não é exato? Em geral se entende, pela palavra "compreender", compreender imediatamente. Ela implica, por conseguinte a inexistência do amanhã... ou compreendemos uma coisa de imediato, ou não a compreendemos em absoluto. Buscar a compreensão por meio das ideias supõe o tempo, um período, uma distância que se tem que percorrer para atingir a compreensão, se tornar bom, se tornar não violento. Temos a ideia, temos a distância e, para percorrer essa distância, necessitamos de tempo; se trata por conseguinte, de um processo gradual. Esse é um dos fatores constitutivos da mente que tão condicionada foi pelo tempo, que pensa que só através do tempo se pode alcançar alguma coisa... Esse é um dos tradicionais padrões de nosso pensamento, radicado no próprio cérebro. E perceber a sua falsidade é compreender a vital importância de uma completa transformação, agora mesmo.
(...) Ao perceberdes a verdade de que não existe amanhã, psicologicamente, então toda a estrutura cerebral, mental, emocional, psicológica, sofrerá uma tremenda transformação. A nosso ver, esta é a única revolução possível, atualmente, e quem sabe, sempre.
(...) Estamos falando da necessidade de uma tremenda revolução, uma revolução que, obviamente, tem de ser religiosa. Por "revolução religiosa" entendo uma revolução completa, total, não fragmentária. Trata-se da realidade total e não da realidade econômica, da realidade social, da realidade psicológica, que são realidades fragmentárias. E toda revolução fragmentária só levará a repetição do que foi, apenas modificado; isso tem sido provado repetidamente... A revolução francesa, a revolução comunista... Tais revoluções retornam sempre ao velho padrão, ao ponto de partida; após o massacre de milhões de pessoas, voltam ao mesmo e antigo padrão, em nível um pouco mais alto ou mais baixo.
(...) Percebe-se a necessidade dessa revolução; percebe-se que, para realiza-la, requer-se ardor, maturidade e energia. E como produzir essa maturidade e essa energia?... Como é possível isso?... Como produzir essa maturidade e essa energia? Ou ela não é produzível?
(...) Percebemos a necessidade de uma revolução fundamental na própria estrutura do cérebro; "estrutura", não no sentido biológico, porém a estrutura de nosso pensar, o padrão de nossos pensamentos, impulsos, ânsias. Para se promover a revolução fundamental, necessita-se de grande quantidade de energia; e essa energia só pode tornar-se existente quando há maturidade — não a maturidade que pensamos poder alcançar mediante o ajuntamento de muitos fragmentos. Mas, como suscitar essa maturidade?
(...) Ora, quem poderá lhe dizer o que fazer a respeito deste problema? Você tem fé em algum líder, inclusive na pessoa que está sentada aqui neste estrado?... Por certo você tem toda confiança nos políticos, nos instrutores, nos homens religiosos; toda confiança nos livros, nesta ou naquela coisa "sagrada", e agora tudo isso perdeu sua significação, não é verdade? As guerras continuam; há ódio, aflição, confusão, fome; e os políticos oferecem o céu deles. Mas, infelizmente você não tem ninguém em quem confiar verdadeiramente — confiar verdadeiramente, e não teoricamente. Assim sendo, o que você fará? O que irá fazer?
(...) Quando você compreender, quando perceber, realmente que não há, fora de você, ninguém que possa lhe ajudar — você já não se achará no estado de maturidade? Você estará então livre do medo de errar, do medo de não fazer o que é certo. Você não acha?
Assim, a primeira dificuldade é compreender que não há sistema, religioso ou político, que não há ninguém, nenhum ditador religioso ou político que possa lhe ajudar. Ao perceber esse fato, realmente e não teoricamente, esse percebimento já não constitui uma verdadeira revolução da inteligência?
Krishnamurti — Uma nova maneira de agir — 20/11/1964