Que coisa estranha é a solidão, e como ela é assustadora! Nunca nos permitimos muita intimidade com ela; e se por acaso o fazemos, rapidamente fugimos. Fazemos qualquer coisa para fugir da solidão, para encobri-la. Nossa preocupação consciente e inconsciente parece ser evitá-la ou superá-a. Evitar e superar a solidão são ações igualmente fúteis; embora reprimidos ou negligenciados, a dor e o problema ainda existem. Você pode se perder na multidão e ainda estar completamente sozinho; você pode estar intensamente ativo, mas a solidão silenciosamente se insinua a você; ponha o livro de lado, e lá está ela. Diversões e bebidas não podem afogar a solidão; você pode escapar dela temporariamente, mas quando o riso e os efeitos do álcool terminam, o medo da solidão retorna. Você pode ser ambicioso e bem-sucedido, pode ter enormes poderes sobre os outros, pode ser rico em conhecimento, pode tomar parte em um culto religioso e se esquecer de si mesmo no palavrório dos rituais; mas, faça o que quiser, a dor da solidão permanece. Você pode existir somente por seu filho, pelo Mestre, pela expressão de seu talento; mas, como a escuridão, a solidão cobre você. Você pode amar ou odiar, fugir disso segundo seu temperamento e suas exigências psicológicas; mas a solidão estará lá, esperando e observando, retirando-se apenas para se aproximar novamente.
A solidão é a percepção do isolamento total; nossas atividades não são fechadas em si mesmas? Embora nossos pensamentos e emoções sejam expansivos, não são exclusivos e separadores? Não estamos buscando controle em nossos relacionamentos, em nossos direitos e posses, e com isso criando resistência? Não consideramos o trabalho como “seu” e “meu”? Não estamos identificados com o coletivo, com o país, ou com alguns? Toda a nossa tendência não é isolarmo-nos, dividir e separar? A própria atividade do Eu, em qualquer nível, é um modo de isolamento; e a solidão é a consciência do Eu sem atividade. A atividade, física ou psicológica, torna-se um meio de auto-expansão. E quando não existe atividade de tipo algum, há uma percepção do vazio do Eu. É esse vazio que buscamos preencher, e passamos nossas vidas preenchendo-o, em níveis nobres ou desprezíveis. Pode parecer que não há danos sociológicos em preencher esse vazio em níveis nobres; mas a ilusão gera dor e destruição incalculáveis, que podem não ser imediatos. A ânsia de preencher esse vazio – ou de fugir dele, que é a mesma coisa – não pode ser sublimada ou reprimida; pois quem é a entidade que vai suprimir ou sublimar? Não é essa mesma entidade uma outra forma de anseio? Os objetos de anseio podem variar, mas não serão semelhantes todos os anseios? Você pode mudar o objeto de seu anseio, da bebida para o pensamento; mas sem entender o processo do anseio a ilusão será inevitável.
Não existe uma entidade separada do anseio; só existe anseio, não existe ninguém que anseia. O anseio assume diferentes máscaras, em momentos diferentes, dependendo de seus interesses. A memória desses interesses variados encontra o novo, o que produz conflito, e assim, aquele que escolhe nasce, estabelecendo a si mesmo como uma entidade separada e distinta do anseio. Mas a entidade não é diferente de suas qualidades. A entidade que tenta preencher ou fugir do vazio, da incompletude, da solidão, não é diferente daquilo que ela evita; ela é aquilo. Ela não pode fugir de si mesma; tudo que pode fazer é entender a si própria. Ela é sua solidão, seu vazio; e enquanto considerá-lo como algo separado de si, estará em ilusão e em interminável conflito. Só quando experienciar diretamente que ela é sua própria solidão, poderá haver libertação do medo. O medo existe apenas em relação a uma idéia, e a idéia é a reação da memória como pensamento. O pensamento é o resultado da experiência; e embora ele possa ponderar sobre o vazio, ter sensações a respeito, ele não pode conhecer o vazio diretamente. A palavra “solidão”, com suas lembranças de dor e medo, impede a experienciação do novo. A palavra é lembrança, e quando a palavra não é mais signifcativa, o relacionamento entre o experienciador e o experienciado é totalmente diferente; assim, aquele relacionamento é direto e não através de uma palavra, por meio da memória; o experienciador é a experiência, o que resulta em libertação do medo.
Amor e vazio não podem permanecer juntos; quando há o sentimento de solidão, o amor não existe. Você pode esconder o vazio sob a palavra “amor”, mas quando o objeto de seu amor não existe mais ou não responde, você tem consciência do vazio e se sente frustrado. Usamos a palavra “amor” como um meio de fugir de nós mesmos, de nossa própria insuficiência. Agarramo-nos à pessoa que amamos, somos ciumentos, sentimos saudades quando ela não está presente e ficamos totalmente perdidos quando ela morre; e depois buscamos conforto de alguma outra forma, em alguma crença, em algum substituto. Isso é amor? O amor é uma idéia, o resultado de associações; o amor não é algo a ser usado como uma fuga de nossa própria infelicidade; e quando nós realmente o usamos, criamos problemas que não tem solução. O amor não é uma abstração, mas sua realidade só poderá ser experienciada quando a idéia, a mente, não for mais o fator supremo.
Krishnamurti - Comentários sobre o viver