NÃO EXISTE PRESENTEMENTE LIBERDADE; não sabemos o que isso significa. Gostaríamos de ser livres, mas, se observardes, notareis que todos — o mestre, os pais, o advogado, o militar, o policial, o negociante — cada um, em sua pequena esfera, está fazendo alguma coisa para impedir a liberdade. Ser livre não é, meramente, fazerdes o que vos apraz, ou fugirdes das circunstâncias externas que vos tolhem, mas, sim, compreender todo o problema da dependência. Sabeis o que é dependência? Dependeis de vossos pais, não é verdade? Dependeis de vossos mestres, dependeis do cozinheiro, do carteiro, do leiteiro etc. Esta espécie de dependência é facilmente compreensível. Mas existe uma qualidade de dependência muito mais profunda e que é necessário compreender, para se poder ser livre: o dependermos de outrem, para nossa própria felicidade. Sabeis o que significa depender de alguém para a própria felicidade? Não é a mera dependência física de outra pessoa o que tanto vos prende, porém a dependência interior, psicológica, da qual recebeis vossa suposta felicidade; porque, quando dependeis de alguém dessa maneira, tornais-vos um escravo. Se, quando ficardes mais velho, dependerdes emocionalmente de vossos pais, ou de vossa esposa ou marido, de um guru, ou de uma ideia, aí já estará em começo a escravidão. Não compreendemos isso e, no entanto, quase todos nós, principalmente os mais novos, desejamos ser livres.
Para sermos livres, temos de revoltar-nos contra toda dependência interior, e não podemos revoltar-nos se não compreendemos por que somos dependentes. Enquanto não compreendermos bem a dependência interior, e dela não nos libertarmos, nunca seremos livres, porquanto só nessa compreensão pode haver liberdade. Mas a liberdade não é mera reação. Sabeis o que é "reação”? Se digo alguma coisa que vos ofende, se vos chamo um nome feio e vos zangais comigo, isto é uma reação — reação proveniente da dependência; e a independência é outra reação. Mas, liberdade não é reação; e enquanto não compreendermos e ultrapassarmos a reação, nunca seremos livres.
Sabeis o que significa amar alguém? Sabeis o que significa amar uma árvore, uma ave, um animal de estimação, ao ponto de cuidarmos com desvelo do ser que amamos, nutri-lo, acarinhá-lo, embora ele nada nos dê em troca — embora a árvore não nos dê sombra, o animal não nos siga os passos e não dependa de nós? Os mais de nós não amamos dessa maneira; em verdade, não sabemos o que isso significa, porque nosso amor é sempre cercado de ansiedade, de ciúme, de medo — e isso implica que estamos dependendo de outrem, interiormente, que desejamos ser amados também. Não amamos simplesmente, sem nada mais desejarmos. Queremos retribuição; e isso justamente, nos torna dependentes.
Assim, pois, a liberdade e o amor andam juntos. O amor não é reação. Se vos amo porque me amais, isto é pura transação, uma compra no mercado. Amar é nada pedir em troca, não sentir, sequer, que se está dando alguma coisa; só esse amor pode conhecer a liberdade. Mas, vede, não sois educado para isso. Sois educado para saberdes Matemática, Química, Geografia, História. Aí termina vossa educação, porque o único empenho de vossos pais é ajudar-vos a obter um bom emprego e a ter exito na vida. Se tem dinheiro, talvez vos mandem ao estrangeiro; mas, como acontece no resto do mundo, seu objetivo único é ver-vos ricos e numa respeitável posição social; e, quanto mais alto subirdes, tanto mais sofrimentos causareis a outros, porque, para galgardes posições, tereis de competir, de ser cruéis. Por isso, os pais mandam os filhos para escolas onde se estimule a ambição, onde não haja amor; por isso, uma sociedade como a nossa está sempre em declínio, em luta constante, e, embora os políticos, os juízes, os "nobres da terra” falem de paz, isso nada significa.
Ora, vós e eu devemos compreender todo esse problema da liberdade. Devemos descobrir por nós mesmos o que significa amar; porque, se não amamos, não teremos consideração para com os outros, não seremos atenciosos. Sabeis o que significa ter consideração a outrem? Quando vedes uma pedra pontuda num caminho percorrido por muitos pés descalços, vós a retirais, não porque vos pedem que o façais, mas porque vos condoeis de outro, quem quer que seja e ainda que nunca o vejais na vida. Plantar uma árvore e cuidar dela, olhar o rio e fruir a prodigalidade da terra, observar uma ave no ar e a beleza de seu voo, ter sensibilidade e manter-se aberto a esse extraordinário movimento que se chama a vida — para tudo isso há necessidade de liberdade; e, para serdes livre, deveis amar. Sem amor, não há liberdade; sem amor, a liberdade é mera ideia, sem nenhum valor. Assim, só os que compreenderam a íntima dependência e dela se libertaram; que sabem, por conseguinte, o que é amor — só esses podem conhecer a liberdade; só eles poderão criar uma nova civilização, um mundo diferente.
Krishnamurti em, A cultura e o problema humano