quinta-feira, 2 de junho de 2016

A paz nasce no coração e não na mente

PENSO QUE, se pudermos compreender o que significa “estar em paz”, o que significa a paz, haverá a possibilidade de se compreender o verdadeiro significado do amor. Supomos que a paz é algo que se obtém com a mente, com a razão; mas pode a paz resultar de algum processo de quietação, de controle, de domínio do pensamento? Todos desejamos a paz. Para a maioria de nós, “paz” significa estar livre de importunação, de intromissões, cercar a nossa mente com uma muralha de idéias. Esta questão é de grande importância em nossas vidas; porque, ao vos tornardes mais velhos, tereis de encarar estes problemas concernentes à guerra e à paz. Será a paz algo que a mente deva perseguir, pegar, e domesticar? A paz, como em regra a entendemos, é um lento declínio; onde quer que estejamos, aparece a estagnação; pensamos, que se nos apegamos a uma ideia, se levantamos muralhas de segurança, de proteção, de hábitos, de crenças; se cultivamos um princípio, uma determinada tendência, uma determinada fantasia, um determinado desejo, encontraremos a paz. É o que quer a maioria: evitar canseiras e viver, sem esforço, numa condição qualquer de estagnação. Quando reconhecemos a impossibilidade de ter essa espécie de paz, forcejamos para conseguir paz, para encontrar algum canto no universo ou em nosso ser, para onde possamos arrastar-nos, e viver fechados na escuridão do “eu”. É isso o que queremos, em geral, nas relações com nossos maridos, nossas esposas, pais, amigos. Inconscientemente, queremos a paz a qualquer preço, e por isso a buscamos.

Pode a mente porventura encontrar a paz? A mente não é, ela própria, uma fonte de perturbação? A mente só é capaz de juntar, acumular, negar, afirmar, lembrar e seguir. Será a paz, que é tão essencial — porque sem ela não se pode viver, não se pode criar — será à paz algo realizável por meio de lutas, de renúncias, de sacrifícios espirituais? Compreendeis o que estou dizendo? Quando nos tornarmos mais idosos, se não formos sensatos e não nos conservarmos vigilantes, — ainda que agora, na juventude, tenhamos descontentamento, esse descontentamento se canalizará para alguma forma de pacata resignação diante da vida. A mente está sempre procurando criar, em alguma parte, algum hábito, crença ou desejo, onde possa viver isolada e em paz com o mundo. Mas ela não pode achar a paz, porque só é capaz de pensar dentro dos limites do tempo — seu passado, seu presente, seu futuro — o que foi, o que é, e o que será — sempre condenando, e julgando, e pesando, alimentando suas próprias vaidades, hábitos e crenças. A mente nunca pode estar em paz, ainda que às vezes se refugie numa paz ilusória. Mas isso não é paz. Ela pode hipnotizar-se com palavras, com a repetição de frases, com o seguir meramente a alguém, com o saber; mas não se mantém em paz, porque ela mesma é o centro de atração, e, por sua própria natureza, a essência do tempo. Assim, a mente, com que pensais, com que calculais, com que planejais, com que comparais, não pode encontrar a paz.

A paz não é produto da razão; e, todavia, se observais as religiões organizadas que conheceis, vereis como todas elas preconizam a paz que é produto do pensamento. Mas a paz é algo tão criador quanto a guerra é destrutiva, tão pura quanto a guerra é corruptora; e para termos essa paz, precisamos compreender a beleza. Eis porque tanto importa que, na juventude, estejamos rodeados de beleza, a beleza dos edifícios, das proporções harmônicas, da exata apreciação, do asseio, da lúcida conversação — de modo que, compreendendo o que é belo, saibamos o que é o amor, e que a beleza do coração é a paz do coração.

A paz nasce no coração e não na mente. Cumpre, pois, compreender o que é a beleza. Muito importa a maneira como falais; porque as palavras que empregais, os gestos que fazeis, revelam o grau de excelência do vosso coração. Porque a beleza é algo indefinível, inexplicável. Só podemos chamá-la ou compreendê-la com o espírito tranquilo.

Assim, quando jovens e sensíveis, é essencial que crieis — tanto vós como os responsáveis pela mocidade, pelos estudantes — é essencial criardes essa atmosfera de beleza. A maneira de vestir, a maneira de sentar-se, a maneira de falar e comer, tanto quanto as coisas que nos circundam, são de grande importância. Porque, ao crescerdes, ireis encontrar todas as fealdades da vida — edifícios feios, gente feia, malícia, inveja, ambição, crueldade — e, se não houver nos vossos corações o sentimento da beleza, solidamente alicerçado em vós mesmos, podeis ser facilmente arrastados pela monstruosa correnteza da vida; e ver-vos-eis empenhados na luta pela obtenção da paz que é produto da mente. A mente cria a ideia da paz, procura cultivar essa ideia e fica emaranhada na rede das palavras, das fantasias, das ilusões.


A paz, por conseguinte, só poderá vir ao compreendermos o que é o amor. Porque, se temos a paz unicamente na segurança, financeira ou de outra natureza, a paz proporcionada pelo dinheiro ou por certos dogmas, ritos e repetições, não existirá criação; não existe em nós nenhum impulso para realizarmos no mundo uma revolução fundamental, radical; porque essa paz só significa estagnação e resignação. Mas, quando compreenderdes a quietude em que existe amor e beleza, compreenderdes a sua extraordinária originalidade, tereis então essa paz — aquela que a mente não pode alcançar. Eis a paz criadora, a que implanta a ordem dentro em nós, dissipando toda confusão. Mas essa serenidade não resulta de esforço nenhum. Manifesta-se quando estamos em constante vigilância, sensíveis tanto para o feio como para o belo, para o bom e para o mau, para todas as vibrações da vida. Porque a paz é uma coisa de rara grandiosidade e extensão, e não uma frivolidade da imaginação. Ela só pode ser compreendida com a plenitude do coração.

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