SEMPRE QUE viajamos para diferentes partes do mundo, encontramos mentes, desde as mais rudes às mais sutis, dedicando esforços enormes para encontrar algo sagrado, realmente santificado. Para qualquer lugar que vamos, sempre ouvimos constantes indagações a respeito da mente humana, se de fato existe alguma coisa realmente sagrada, divina, algo que não seja passível de corrupções. Como resposta a essa pergunta, os sacerdotes em todo o mundo dizem que é preciso ter fé em algo que denominam "Deus". Será que podemos descobrir a existência de Deus pelos mandamentos de determinada religião ou crença? Ou isso não passa de invenção da mente amedrontada, que vê as coisas fluírem, transitórias, e por isso buscam algo permanente, que se situe fora do tempo? Precisamos nos preocupar se de fato acreditamos ou não, porque a menos que nos enfronhemos nesse assunto, e aprendamos a seu respeito, o sentido da vida sempre será superficial. Podemos ter princípios morais - no verdadeiro sentido das palavras, sem nenhuma repressão, sem a interferência da sociedade ou da nossa cultura - e levar uma vida harmoniosa, sadia, equilibrada, sem contradições e sem medos, porém, a não ser que encontremos aquilo que a humanidade vem procurando, não importa o quanto somos virtuosos, socialmente ativos, tentando ser caridosos e assim por diante, a vida será sempre frívola. Para vivermos de acordo com os princípios morais verdadeiros e a virtude, temos de estar profundamente integrados no âmbito da ordem.
Se formos plenamente sérios, interessados de verdade no fenômeno da existência como um todo, é importante descobrirmos sozinhos se há algo inominável fora do tempo, que não tenha sido formado pelo pensamento, que não seja mera ilusão da mente humana, ansiando por experiências do além. Precisamos aprender a respeito, pois isso nos proporcionará uma surpreendente visão da dimensão da vida - não apenas em seu significado, como em toda sua beleza - na qual não existem conflitos, porém um grande senso de inteireza, de completude e total suficiência. Quando a mente obtiver essa percepção, deve naturalmente abandonar as coisas que o homem formou, às quais ele denomina divinas, juntamente com todos os rituais, crenças e dogmas a que está condicionado.
Espero que tenhamos nos comunicado e, também, que você tenha abandonado aquelas coisas não só verbalmente, mas em seu interior mais profundo, de maneira que você se torne capaz de conduzir-se sozinho, sem depender psicologicamente de nada. É bom duvidar; contudo, a dúvida deve estar sob seu domínio. Manter a dúvida inteligentemente sob seu domínio é indagar, mas duvidar de tudo não tem sentido. Se você investigou com inteligência e viu sozinho todas as sugestões de estruturas que o homem idealizou em sua ânsia de descobrir se existe ou não a imortalidade, um estado de espírito que é infinito e imorredouro, então você pode começar a aprender.
0 pensamento nunca pode alcançar esse estado, pois ele não é apenas tempo e medida, mas retém todo o conteúdo do passado consciente e inconsciente. Quando o pensamento diz que vai buscar algo verdadeiro, ele projeta aquilo que considera real, e que acaba se transformando em ilusão. Quando o pensamento se dispõe a praticar uma disciplina com a finalidade de descobrir a verdade, está realizando o que a maioria dos santos, religiosos e as doutrinas realizam. Vários gurus vão lhe aconselhar a treinar seu pensamento, controlá-lo e discipliná-lo, encaixá-lo dentro de padrões que eles vão determinar, para que você finalmente se depare com o que é real. Contudo, sabe-se que o pensamento jamais poderá descobrir, porque ele é essencialmente o oposto da liberdade. Nunca poderá ser novo, e para encontrar algo que seja totalmente imperceptível, desconhecido e irreconhecível, o pensamento precisa estar em absoluta quietude.
O pensamento pode permanecer em absoluta quietude - sem nenhum esforço, sem ser controlado? Porque no momento que ele for controlado vai haver um controlador que também é criação do pensamento. Então o controlador começa a dominar seus próprios pensamentos, e surgem os conflitos que são sempre o resultado da atividade do pensamento. A mente é o resultado do tempo, da evolução; é o depósito de grandes conhecimentos, de muitas influências, experiências, que são a própria essência do pensamento. A mente pode permanecer quieta, sem ser controlada, sem disciplina, sem nenhum tipo de esforço? Sempre que há esforço, há distorção. Se você e eu entendermos isso, então seremos capazes de exercer nossas funções com equilíbrio, de modo normal e saudável em nossa vida diária, ao mesmo tempo que teremos uma extraordinária sensação de liberdade de pensamento.
Agora, como isso acontece? É o que a humanidade vem buscando. Sabemos perfeitamente que o pensamento é transitório, que pode ser modificado, aumentado e que não consegue penetrar de fato em algo que seja imperceptível por quaisquer processos de pensamento. A humanidade deseja saber como o pensamento pode ser controlado, porque sabemos com certeza que só quando a mente está completamente imóvel podemos ouvir ou ver algo com clareza.
Pode o cérebro, a mente, permanecer completamente imóvel? Você já se fez essa pergunta? Se fez e encontrou a resposta, esta deve estar de acordo com o seu modo de pensar. O pensamento pode perceber sua própria limitação e, ao percebê-la, manter-se imóvel? Se você já observou sua própria mente funcionando, notou que as células cerebrais são em si mesmas o conteúdo do passado. Cada célula cerebral mantém a memória do ontem, porque esta memória dá segurança ao cérebro; o amanhã é incerto, ao passo que o ontem é certo; há segurança naquilo que é conhecido. Logo, o cérebro é o passado e, portanto, é o tempo. Só consegue raciocinar em termos de tempo: ontem, hoje e amanhã. O amanhã é incerto, mas o passado, por intermédio do presente, torna o futuro mais certo. O cérebro, que foi treinado e educado durante milênios, pode permanecer completamente imóvel? Por favor, conheça antes o problema, pois quando entendemos os problemas e todas as suas implicações com clareza, sabedoria e inteligência, a resposta está no problema, não fora dele. Qualquer problema, se você examinar bem, contém em si mesmo a solução: esta não se encontra fora dele.
Então, a questão é a seguinte: Pode o cérebro, a mente, toda a estrutura orgânica, permanecer absolutamente silenciosa? Sabemos que há diferentes tipos de silêncio. Aquele entre dois ruídos, entre duas declarações verbais, o induzido, aquele que é resultado de uma rigorosa disciplina ou controle. Todas essas formas de silêncio são estéreis. Não são o silêncio. São produtos do pensamento que quer ficar silencioso, mas continua dentro da área do pensamento.
Como pode a mente - que representa o todo — aquietar-se sem um motivo? Se houver um motivo, ele é também produto do pensamento. Se você desconhece a resposta, alegro-me, porque esta requer total sinceridade. Para descobrirmos se existe de fato algo que foge desta dimensão, voltado para uma dimensão completamente diferente, precisamos da absoluta sinceridade; nesta não haverá decepções, porque não há desejos. No momento em que a mente desejar encontrar esse estado, ela vai inventá-lo, e será tomada por uma ilusão, por uma visão. Essa visão, essa experiência, será uma projeção do passado e, por mais agradável, encantadora e prazerosa que seja, ainda assim será o reflexo do passado.
Se tudo o que dissemos está claro, não só verbalmente, mas de verdade, então a questão é: O conteúdo e aquilo que compõe a consciência podem ser radicalmente esvaziados?
Todo o conteúdo interior de nossa conscientização diária é o inconsciente e o consciente: aquilo que contém o pensamento, que foi acumulado e adquirido por meio da tradição, da cultura, de lutas, sofrimentos, tristezas, decepções. A totalidade disso tudo é a minha e a sua consciência. Para descobrirmos se realmente existe alguma coisa que se situa além dessa dimensão, é preciso muita sinceridade. Sem seu conteúdo, o que é a consciência? Só conheço minha consciência em virtude do seu conteúdo. Sou hindu, budista, cristão, católico, comunista, socialista, artista, cientista, filósofo. Sou apegado à minha casa, à minha mulher, aos meus amigos. As conclusões, lembranças, imagens que construí durante cinquenta, cem ou milhares de anos são o conteúdo. O conteúdo é minha consciência, como a sua, e a área da consciência é o tempo, porque a área do pensamento é a área da medição, da comparação, da avaliação, do julgamento. Dentro da área da minha consciência estão meus pensamentos inconscientes e conscientes. E qualquer movimento dentro dessa área estará dentro da ação da consciência com seu conteúdo. Por esse motivo, o espaço na consciência é muito limitado.
Tudo o que aprendemos juntos será seu, não meu. Quando estiver livre dos chefes, dos professores, sua mente estará aprendendo. Portanto, haverá energia, e você ficará louco para descobrir. Mas se estiver seguindo alguém, então vai perder toda essa energia.
Dentro da área da consciência, juntamente com seu conteúdo, que é o tempo, o espaço torna-se muito exíguo. Podemos expandir esse espaço por meio da imaginação, inventando, por vários processos de estiramento, pensando mais e mais sutilmente, mais deliberadamente, e ainda assim estará dentro do espaço limitado da consciência com seus conteúdos. Qualquer movimento para ir além dele mesmo estará dentro do conteúdo. Se você usar drogas, o resultado ainda será fruto da atividade do pensamento dentro da consciência, e se pensa que está indo além, ainda está dentro, porque é apenas uma ideia ou vivência do conteúdo com mais profundidade. Então vemos o conteúdo, que é o "mim", que é o ego, que é a pessoa a quem chamamos de indivíduo. Dentro dessa consciência, embora expandida, o tempo e o espaço limitados continuam a existir. Quando a consciência emprega um esforço para alcançar algo que esteja além dela, ela inventa a ilusão. Partir em busca da verdade é absurdo. Aprendendo por intermédio de um "mestre" ou de um guru, você estará apenas praticando um método, sem conhecer todo o seu conteúdo e perceber soa frivolidade; é como pretender que um cego conduza outro cego.
A mente é seu conteúdo. O cérebro é o passado, e é a partir desse passado que o pensamento funciona. O pensamento jamais é livre ou novo. Então surge a questão: Como esse conteúdo pode ser esvaziado? Não é por meio de um método, porque na hora em que você estiver praticando um método, que alguém lhe ensinou ou que você inventou, ele se torna mecânico. Além do mais, ainda está no campo do tempo e do espaço limitados. A mente pode enxergar sua própria limitação, e a própria percepção dessa limitação pode fazer com que ela acabe? Em lugar de perguntar como esvaziar a mente, podemos enxergar todo o conteúdo que compõe a consciência, perceber e ouvir todos os seus movimentos, de maneira que a simples percepção desse fato é seu próprio fim? Se noto que alguma coisa é falsa, a mera percepção do falso é o verdadeiro. A mera percepção da mentira é a própria verdade. A mera percepção da minha inveja torna-me livre dela. Isto é, você só consegue ver e observar com clareza quando não existe o observador. O observador é o passado, a imagem, a conclusão, a opinião, o julgamento.
Então, a mente consegue ver claramente seu conteúdo, sem nenhum esforço, ver sua limitação, a falta de espaço, a vinculação do tempo com a qualidade da consciência e seu conteúdo? Você pode enxergar isso? Somente poderá ver o todo — o conteúdo do consciente e do inconsciente — quando olhar em silêncio, quando o observador estiver totalmente imóvel. Isto significa o emprego de muita atenção, e é nessa atenção que há energia. Considerando que você despende um esforço ao prestar atenção, esse esforço é um gasto de energia. O mesmo acontece quando tenta controlar. O controle implica conformidade, comparação, repressão, e tudo isso representa dispêndio de energia. Quando há percepção, há atenção, que é pura energia, e na atenção não há nem um sopro de perda de energia.
Agora, quando olhamos com energia todo o conteúdo da consciência e da inconsciência, a mente se esvazia. Não é ilusão. Não é o que acho ou uma conclusão a que cheguei. Se eu chegar a uma conclusão, se achar que isso é o certo, então estou me iludindo. E sabendo que é uma ilusão não me manifesto a respeito, porque seria como um cego conduzindo outro cego. Você vai conseguir enxergar a lógica desse fato, seu bom senso, se estiver ouvindo, se estiver prestando atenção, se realmente estiver disposto a descobrir.
Como é possível que o inconsciente exponha toda a profundidade do seu conteúdo? Primeiro, olhe para a questão e depois partiremos desse ponto. Como dividimos tudo na vida, dividimos o consciente em consciente e inconsciente. Essa divisão, essa fragmentação, é induzida por nossa cultura, por nossa educação. O inconsciente tem suas razões, sua herança racial, sua experiência. Será que isso pode ser exposto à luz da inteligência? A luz da percepção? Se você fizer essa pergunta, não estará se colocando no lugar do analista, que vai verificar o conteúdo e, portanto, provocar a divisão, a contradição, o conflito e a tristeza? Ou estará perguntando sem saber a resposta? Isto é relevante. Se está perguntando com sinceridade e seriedade, sobre como expor toda a estrutura escondida da consciência sem de fato conhecê-la, irá aprender; entretanto, se já tirou qualquer tipo de conclusão, se tem uma opinião formada, então está chegando com uma mente que já pressupôs a resposta ou concluiu que não há resposta alguma. Seu conhecimento pode ter vindo de algum filósofo, psicólogo, analista, mas não do seu próprio conhecimento. É o conhecimento deles e você está interpretando e tentando compreender o que não é real.
Para a mente que diz "Eu não sei" - o que é verdade, é sincero -, o que existe? Quando você diz "Eu não sei", o conteúdo não tem a mínima importância, porque denota ser uma mente fresca. É uma nova mente que diz "Eu não sei". No entanto, ao dizer isso não só oralmente, por brincadeira, mas com intensidade, com significado, com sinceridade, esse estado mental que nada sabe está vazio de sua consciência e de seu conteúdo. O conhecimento é o conteúdo. Está vendo? Sempre que a mente diz que não sabe, ela se mostra nova, viva, atuante; é sinal de que não possui ancoradouro. E só quando possui ancoradouro que armazena opiniões, conclusões e separação.
Isso é meditação. Ou seja, meditar é perceber a verdade a cada segundo, não a verdade definitiva. E perceber a cada instante o que é falso e o que é verdadeiro. É perceber a verdade de que o conteúdo é a consciência - isto é a verdade. Perceber a verdade de eu não saber lidar com tudo isso - essa é a verdade, o não-conhecimento. Portanto, não saber é o estado isento de conteúdo.
E extremamente simples. Você pode colocar objeções, porque esperava algo inteligente, complicado, ao ver que algo bastante simples pode ser tão fantasticamente maravilhoso.
Pode a mente, que é o cérebro, enxergar sua própria limitação, a limitação do tempo, a escravidão ao tempo e a limitação ao espaço? Enquanto vivermos dentro de um espaço limitado, dependentes do movimento do tempo, haverá sofrimento, desespero psicológico, esperança e todas as angústias que os acompanham. Quando a mente percebe essa verdade, o que é o tempo? Então vai surgir uma nova dimensão que o pensamento não consegue alcançar e, portanto, não pode ser descrita? Já dissemos que o pensamento é medição e, portanto, tempo. Vivemos em função das medidas; toda a estrutura do nosso pensamento está baseada em medidas, o que envolve comparação. O pensamento, como medição, tenta ir além de si mesmo e descobrir por si só se existe algo que não é mensurável. Perceber a falsidade que esse fato contém é a verdade. A verdade é enxergar o falso, e o falso existe quando o pensamento procura aquilo que não é mensurável, que não é o tempo, nem o espaço do conteúdo da consciência.
Quando fazemos todas essas questões, quando você vai aprendendo à medida que progride, então sua mente e seu cérebro se tornam extraordinariamente imóveis. Não há necessidade de disciplina, de professor, de guru ou de qualquer método para que isso aconteça.
Atualmente, existem diversas formas de meditação no mundo. O homem está excessivamente ávido e ansioso para experimentar algo que ainda não conhece. Ioga agora está na moda; foi trazida para o Ocidente para tornar as pessoas saudáveis, felizes e joviais, para ajudá-las a encontrar Deus - em todos os lugares se fala disso. A busca pelo oculto também está na moda, já que é um assunto muito excitante. Para a mente de alguém que está buscando a verdade, que está tentando conhecer a vida como um todo, que vê quando o falso é falso, e a verdade no que é falso, as coisas ocultas são óbvias demais e esse tipo de mente não pode tocá-las. Não tem a menor importância eu ler seus pensamentos ou você ler os meus, poder ver anjos, fadas ou ter visões. Queremos ver algo misterioso, mas não vemos o imensurável mistério do viver, do amor pela vida. Não vemos isso e esbanjamos tempo em coisas que não têm a menor importância.
Depois que você terminou com tudo isso, vem a questão principal: existe algo que não pode ser descrito? Se você puder descrevê-lo, não será o indescritível. Existe algo que não é o tempo, que é um espaço sem limites e imensamente grande? Quando seu espaço é limitado, você se torna viciado; quando não há espaço, nos tornamos violentos, queremos quebrar objetos. Você quer espaço, mas a mente e o pensamento não lhe permitem obtê-lo. Só no silêncio existe espaço sem fronteiras. Apenas a mente completamente silenciosa é que sabe, que está ciente da existência ou não de algo que se situa além de qualquer medida.
Essa é a única coisa sagrada - não são as imagens, os rituais, os salvadores, os gurus, as visões. Somente aquilo é sagrado, o lugar em que a mente chegou sem perguntar, porque em si mesmo está vazio. Unicamente na vacuidade algo novo pode surgir.
Nossa Luz Interior — Ágora Editorial