Existe o medo. O medo nunca é uma realidade: vem sempre antes ou depois do presente ativo. Quando há medo no presente ativo, isso será medo? Está ali e não há como fugir dele, não há como escapar. Ali, no momento presente, há a atenção total, mas não há medo. Mas o próprio fato da desatenção gera o medo; o medo surge quando há uma evitação do fato, uma fuga; então a fuga é, ela própria, o medo. (1) Diário de Krishnamurti
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Krishnamurti: Se sou um homem sério, quero saber a razão da existência de tantos medos, conscientes ou inconscientes. Eu me pergunto o porque de existir o medo e qual seu agente principal. Tentarei mostrar como investigar isso. Minha mente diz: Eu sei que tenho medo — tenho medo da água, da escuridão; tenho medo de determinada pessoa; tenho medo de ser descoberto, já que contei uma mentira; eu quero ser grande, bonito e não sou — então, tenho medo. Estou investigando. Tenho, pois, inúmeros medos. Sei que existem medos profundos, que nem sequer olhei e que existem medos superficiais. Quero agora descobrir algo a respeito de ambos, tanto dos ocultos quanto dos visíveis. Quero saber como eles existem, como eles surgem, qual é a sua raiz.
Mas, como poderei descobrir? Farei isso passo a passo. Como descobrir? Só poderei descobrir se a mente perceber que viver com medo é não apenas neurótico mas muito pernicioso mesmo. A mente primeiro precisa perceber que é neurótica e que, portanto, a atividade neurótica prosseguirá e se tornará destrutiva. E verificar que a mente atemorizada não é jamais honesta, que a mente assustada, inventará qualquer experiência, qualquer coisa a que se apegar. Eu preciso, então, de início, enxergar com clareza e na totalidade que, enquanto houver medo, haverá desgraças.
Mas, eu pergunto, vocês percebem isso? Esse é o primeiro requisito. Essa é a primeira verdade: enquanto existir medo existirá o escuro, e o que quer que eu faça nesse escuro será escuridão, será confusão. Será que eu percebo isso com nitidez, na sua totalidade e não apenas de modo parcial?
Questionador: A pessoa aceita isso.
Krishnamurti: Não existe aceitação, senhor. O senhor aceita que vive na escuridão? Está bem, aceite e viva com isso. Para onde quer que vá estará carregando consigo a escuridão e, então, viva na escuridão. Fique satisfeito com ela.
Q: Há um estado mais elevado.
K: Um estado mais elevado de escuridão?
Q: da escuridão para a luz.
K: Veja, de novo, a contradição. Da escuridão para a luz é uma contradição. Não, senhor, por favor. Eu pretendo investigar e o senhor tenta impedir que eu faça isso.
Q: É análise.
K: Não é através de análise. Por favor, senhor, ouça o que tem a dizer esse pobre homem. Ele diz, eu sei, estou a par, eu tenho consciência de ter inúmeros medos, ocultos e superficiais, físicos e psicológicos. E sei também que, enquanto eu viver, nessa área haverá confusão. E, faça eu o que fizer, não poderei clarear essa confusão até que me liberte do medo. Isso é óbvio. Isso agora ficou claro. Então eu digo a mim mesmo: eu vejo a verdade de que, enquanto houver medo, eu viverei na escuridão — posso chama-la de luz, acreditar que irei ultrapassá-la, mas eu ainda carrego esse medo.
Vamos agora para o passo seguinte, e não se trata de análise; é apenas observação: — será a mente capaz de examinar? Será a minha mente capaz de fazer um exame, de observação? Vamos ater-nos à observação. Compreendendo que, enquanto existir o medo, haverá escuridão, será a minha mente capaz de observar o que é o medo e a profundidade desse medo? Agora, o que significa observar? Serei capaz de observar todo o movimento do medo ou apenas parte dele? É a mente capaz de observar por completo a natureza, a estrutura, o funcionamento e o movimento do medo, no todo, e não apenas pedaços dele? Quando digo no todo, quero dizer não pretender superar o medo, porque nesse caso eu teria uma direção, um motivo. Quando existe um motivo, existe uma direção e, então, não há como enxergar o todo. E não existe um modo de observar o todo se existe algum tipo de desejo de superar ou de racionalizar.
Poderei observar sem nenhum movimento do pensamento? Ouçam isto. Se eu observar o medo através do movimento do pensamento, isso é parcial, é obscuro, não é claro. Posso então observar o medo, todo ele, sem o movimento do pensamento? Não se apresse. Estamos apenas observando. Não estamos analisando, estamos apenas observando o mapa do medo, um mapa de extraordinária complexidade. Se você tiver uma direção quando olhar para o mapa do medo, você estará olhando para ele de modo parcial. Isso é claro. Quando você quer superar o medo, você não olha o mapa. Então, será que você é capaz de olhar o mapa do medo sem nenhum movimento do pensamento? Não responda logo, vá com calma.
Em outras palavras, pode o pensamento cessar quando eu estou observando? Quando a mente observa, pode o pensamento ficar em silêncio? Você então me perguntará como proceder para que o pensamento fique em silêncio. Certo? Essa pergunta é equivocada. Minha intenção agora é observar e essa observação fica impedida quando existe um movimento ou tremular do pensamento, alguma ondulação do pensamento. Assim, minha atenção — ouçam isto — dedicarei a minha atenção total ao mapa e, portanto, o pensamento não pode entrar. Quando olho para você de modo completo, nada existe do lado de fora. Compreende?
Posso então olhar o mapa do medo sem uma onda de pensamento?
Krishnamurti – Saanen, 31 de julho de 1974