K: Um de nossos problemas que falaremos esta manhã é a
dificuldade de pensar juntos, não sobre algo, senão a capacidade de pensar
juntos. Pergunto-me, o que impede as pessoas de fazerem isto? É por suas
opiniões, suas conclusões, seus conceitos, seus ideais, seus enormes
preconceitos profundamente arraigados?
DB: Creio que é porque as pessoas se aderem a estas coisas;
possuem uma opinião com a qual se identificam, elas não o sabem, mas se aderem
a isso.
K: É isso o que impede as pessoas de pensarem juntas,
cooperarem juntas?
DB: Bem, isso é claramente um fator importante, pode-se ver
politicamente, digamos que o Leste e o Oeste...
K: Oh, politicamente, por suposto.
DB: Bem, se queremos ter paz teríamos as duas partes
dispostas e discutir sem opiniões fixas.
K: Por suposto, por suposto. Mas isso é impossível com os
políticos.
W: Pois não, não estou de acordo que seja impossível.
K: Quero dizer, tal como é na atualidade.
W: Sim, mas quero dizer, como você disse, não há nada como
que isso seja impossível.
K: Não, nada é impossível, mas se querem faze-lo o podem
fazer.
W: Sim, e creio que se queremos que o façam, podemos fazer
com que o façam.
K: Sim, isso é correto. Se nós os cidadãos, de pé, queremos
que o façam, o farão. Bem, agora, como os cidadãos a pé vão ajudar para que
queiram isto?
W: Bem, creio que eles têm que superar seu sentimento de
impotência. E creio que em última instância eles também têm que reconhecer sua
própria responsabilidade, não só os políticos que estão sendo desajeitados, os
demais estão sendo demasiadamente desajeitados.
K: Apresenta-se de novo o ser responsável em tudo o que faz,
em cada pessoa. E não sentem dessa maneira, não se sentem responsáveis. Eles se
convertem em líderes, líderes políticos, líderes religiosos, ou outra classe de
líder e dependem deles.
W: E os culpam.
K: Exato. Assim que a coisa está toda do avesso, todo este
assunto.
DB: Bem, parecem que não podemos começar dessa maneira, isso
porque não serve de nada culpar as pessoas pelo que são. Porém, as pessoas não
estão dispostas...
K: Portanto, você tem que começar por si mesmo.
DB: Porém, é possível que algumas pessoas o pudessem começar
de todos os modos, independente do que fazem os demais.
K: Deixe os demais...
DB: Bem, não pode afetar aos demais no momento, mas uma vez
sugerido, mais adiante, algumas pessoas possam fazê-lo, então, eventualmente,
outros podem adentrar.
K: Sim, correto.
DB: O que não quer dizer que estão descuidando dos outros,
mas...
K: ... Mantém a porta aberta.
DB: Sim, não é a ordem correta para começar com os demais.
K: Não, estou de acordo. Você tem que começar por si mesmo.
DB: Ou com quem seja.
W: Mas se você diz que somos nós mesmos em nossas relações,
que o que eu sou em minha relação com outras pessoas e, portanto, há que se
olhar, observar estas relações, nesse sentido se está começando com os demais. Você
começa...
K: Com os demais e consigo mesmo, inter-relação constante.
W: Quando você diz que existem estes bloqueios e que as
pessoas não podem...
K: Saltá-los...
W:... Entre uma pessoa e a outra, este não é sempre o caso. Não
é relevante que às vezes entre duas pessoas que possuem uma estreita relação e
uma relação de amor, há uma grande quantidade de estar na mesma longitude de
onda, um tipo de relação empática imediata em que uma mente não está realmente
separada da outra mente. Mas não é isto possivelmente relevante para este
assunto da mudança de si mesmo, a transformação de nossa própria mente, que é
através deste processo de inter-relação.
K: Inter-relação, correto... Senhor, seria suficiente se a
metade de uma dezena de nós realmente entende-se este assunto? Como podemos
afetar o mundo? Creio que podemos. Hitler afetou o mundo.
DB: Hitler era um só, claro. O fez tudo por si mesmo.
K: Claro. Um homem louco, que infectou a todo mundo.
DB: Bem, houve um programa recentemente na BBC sobre Thomas
Paine, e demonstrou que na realidade tinha um efeito significativo no mundo
inteiro. Tinha uma tremenda energia e paixão. Foi muito claro nesse programa
que afetou a totalidade da história.
K: Sim, senhor. Então, surge uma pergunta: Por que é que não
somos apaixonados? Por que é que somos tão mornos? Creio que estamos muito
luxuriosos por poder, por isto, ou por aquilo, porém, parece que temos perdido,
ou nunca tivemos essa paixão por fazer o correto, fazer o que é bom.
DB: Eu só ia dizer que creio que parte da razão desta falta
de paixão, é só o fato de não compreender este ponto. Muita gente pode sentir
que é muito importante fazer algo, mas dizem que a sociedade é tão grande...
K: Tão grande que está asfixiada.
DB: Assim que a questão, é que existe uma falta de clareza
neste ponto, o que podemos fazer realmente, que fique realmente claro que é
possível fazer algo.
K: Sim, senhor. Creio que é realmente possível.
DB: tem que ser tão evidente que você não renuncie quando
haja problemas, quando se torne difícil.
W: Creio que a sociedade nos condiciona para que nos
sintamos impotentes. Isso é parte da dificuldade.
K: Mas, por que estamos preocupados com a sociedade? Por que
nos asfixiam, por que isso deveria reduzir ou destruir nossa paixão? E o que é
a paixão? Como se tem isso — não como, não é um método, mas, quando se produz?
Isso está melhor. Quando tem as rédeas soltas esta paixão?
W: Bem, nós sabemos quando há rédeas soltas, e é então
quando todas estas forças primitivas se detêm. E suponho que o fundamental é
que se os indivíduos na sociedade estão sendo dominados por suas imagens de si
mesmos e então querem perpetuar o estado das coisas em que isto parece ser
assim. E, portanto, exercerá uma influência condicionante através da sociedade
para manter a todos neste estado de desamparo e engano.
K: A paixão pela responsabilidade, digamos isto, por exemplo,
se você tem uma tremenda paixão, vem com o fim da dor? A paixão está relacionada
com o fim do sofrimento? A palavra paixão, etimologicamente, está relacionada
com o sofrimento?
W: Bem, isso é só uma pergunta, em certo sentido, da
erudição, o qual eu não estou tanto, porém, você lhe dá um significado mais
profundamente presumivelmente.
K: É claro... Veja, recém-chegado da Índia, havia ao redor
de sete mil pessoas em Bombaim, uma seção transversal de toda a sociedade — os
muito ricos, a classe media e alguns muito pobres. Falei com eles em inglês,
claro, e se vê que realmente não entendem esta extraordinária complexidade da
vida, a única coisa que querem são soluções para os problemas, aos problemas
pessoais, problemas econômicos, problemas espirituais, querem soluções. E na
busca de soluções não resolvem os problemas.
DB: Não, mas creio que é justamente o ponto, as pessoas em
primeiro lugar, geralmente, não entendem isso, que as soluções não são
pertinentes, e que, obviamente, ajuda a dissipar sua energia.
K: Sim, sim. Assim que o enfoque do problema é importante.
DB: Sim.
K: E o enfoque não é a solução do problema, senão como se
observa o problema. O problema é diferente de você? Mas bem, você é o problema,
o problema não está aí fora.
DB: Mas para comunicar isso é difícil porque você vê a uma
pessoa que está desempregada, sente que seu problema está aí fora, se só
tivesse um trabalho iria estar bem.
K: Sim.
DB: Bem, agora, você está dizendo algo muito mais profundo:
em que sentido podemos dizer que o problema é você? Suponhamos que alguém
comece, você quer falar com alguém, e ele está desempregado.
K: Sim, senhor, escutava outro dia a dois desempregados, que
estavam sendo entrevistados — estavam amargurados, enojados, furiosos, desde há
três anos não tinham um emprego, e estavam furiosos com os líderes, os líderes
conservadores, dirigentes sindicais, etc. Eles não se preocupam com nada mais
do que o emprego, conseguir dinheiro, comida, refúgio, isso é a única coisa que
os preocupa. Creio que o vasto mundo está preocupado com isso e nada mais.
DB: Bem, agora, suponhamos que você quer falar com este
homem, como vai fazer para que se preocupe por algo mais?
K: “Não”, ele diz, “Primeiro o pão, pelo amor de Deus
primeiro o pão. Mantenha todas suas coisas espirituais para mais adiante quando
você tenha me dado pão”. Tenho falado com muita gente na Índia e outros
lugares, é o mesmo problema, se o pão é o primeiro o outro é o primeiro. Se é o
pão, então não existe uma solução, e estão amarrados nisso, todos eles estão
amarrados nisso, o primeiro é o pão. E se tem sorte, o outro o pode ter. Mas a
grande maioria das pessoas está preocupada com a urgência; como você vai demonstrar
algo? Não pode. Portanto, só está reservado para os “benfeitores” que possuem
tempo livre, os que têm certas oportunidades para estar sós, para olhar a si
mesmos, falar disso? Isso parece terrivelmente injusto. Mas é um fato. Assim,
pois, os da classe “sem ocupação”, ou as pessoas que têm tempo livre, vão
entender sua relação? Ou vão utilizar esse tempo livre para se divertir, para
se entreter?
DB: bem, acho que, isso não faz nenhuma diferença.
K: Nenhuma diferença, isso é o estou dizendo. Creio que a “desocupação”
é uma coisa maravilhosa. Penso que se aprende muitíssimo mais quando se tem
tempo livre.
DB: Talvez, voltando a questão do salário, como você vê, as
pessoas que sofrem estão desempregadas, estão enfermas, maus governos, etc, bem,
agora, você tem dito que a paixão está conectada com a dor, pelo qual poderia
ser um enfoque.
K: Mas veja, seria incluso para as pessoas com tempo livre,
para as pessoas muito bem educadas, que realmente estão frente aos problemas da
vida e os problemas do mundo. Terão suficiente tempo livre para dar seu tempo,
sua energia, e dizer, olhe, vamos compreender a relação de cada um e entrar no
todo. Parece tão extraordinariamente difícil para a maioria das pessoas.
DB: Bem, sim o entendo. É por isso que estamos discutindo se
algumas pessoas poderiam começar isto...
K: Sim, claro!
DB:... e que poderia afetar aos demais. Há pessoas que possuem
tempo livre e que estão interessados, mas creio que não acabam vendo a
verdadeira possibilidade disto. Há pessoas que poderiam estar prontas para
fazer isto, mas não vem que tudo seja possível.
K: Sim, senhor, o sei.
DB: Agora, se puderem ver algo que na realidade é possível,
mais deles poderiam vir.
K: Então, como ajudar — digamos, por exemplo, que me ajuda a
ver que há uma possibilidade, há uma porta aberta para mim, para escapar de
todo este horror — não escapar, o sinto — para compreender todo este assunto,
como pode me ajudar? Falaram para mim, assinalando todas as misérias, toda a
confusão, mediante as análises, mediante a busca de uma causa? Temos feito tudo
isso.
DB: Isso não é suficiente. Agora se nos dizem que as pessoas
com uma grande energia, como Hitler, o Thomas Paine, ou várias outras pessoas,
tem tido seu efeito na história, algumas boas e outras más. E a pergunta é, se
é possível que um grupo de nós...
K: Se é possível para...?
DB: Para um grupo de nós.
K: Oh, sim, claro, essa é a única maneira!
DB: Aprofundar realmente em todo este...
K: Desastre! Claro que é possível. É isso que estamos
tratando de fazer. Em Brockwood, ou em outros lugares, é reunir a um grupo de
pessoas que pensam igual — não igual —, que pensam, que têm uma boa compreensão
da relação e entrar em tudo isto. Mas parece tão incrivelmente longo.
Senhor, poderia dizer, para ir a outro tema, você diria que
somos os donos do tempo? Que fazemos nosso próprio tempo? Aparte do tempo
físico, o tempo interno, a esperança interior, o interior de ser cada vez melhor,
a ideia de converter-se em algo, tudo isso implica tempo. Se pudéssemos encurtar
o tempo, ou seja, sou violento, e creio que posso superar essa violência
mediante o tempo. E assim, inventámos o tempo. Enquanto que, se na realidade no
tenho tempo, “o que é” se torna extraordinariamente importante e se pode
transformar. Mas se permito o tempo, estou perdido. Não sei se estou
comunicando algo.
W: Bem, o seguimento seguinte é relevante aqui, de que se você
pega a alguém que tenha vivido toda a sua vida e não tenha podido desenvolver-se
de todos os modos, e tem poucos dias de vida, e estes estão enquanto tanto
morrendo, — eu quero dizer que se tenha visto a um anúncio recentemente que se
estava morrendo, e, pela primeira vez em sua vida parecia ter um papel enquanto
se estava morrendo, e nada podia aproveitar estar longe dele. Bem, agora,
algumas pessoas diriam que isto é muito triste, porém, é só por um dia ou dois,
mas seguramente o tempo não importa em absoluto.
K: Não.
W: É isto parte das coisas que você quer dizer que sempre
estamos medindo as coisas, e dizer, é importante porque isto será maior que
aquilo com o tempo, mas na realidade é a qualidade.
K: Pode a mente parar de medir? O qual significa que sou o
passado, o presente e o futuro. Eu sou isso. E meu tempo é o amanhã — espero
ser feliz amanhã. Assim que estou inventando meu próprio tempo. Assim que sou o
dono de meu tempo. E se entendi isto profundamente, então gostaria de tratar com
“o que é” e terminar com ele de imediato. Não sei se estou comunicando algo.
W: Sim, significa que você se daria conta do “que é” em vez
de desejar ser dominado pelos pensamentos acerca do que foi, ou o que poderia
ser no futuro.
K: Dou toda a minha energia a isso.
W: Sim, a “o que é”... (longa pausa)... Mas então, quer
dizer que o sofrimento é uma questão da memória e do passado?
K: Sim, isso é correto.
W: E estas recordações do passado lhe impedem de
experimentar diretamente “o que é”?
K: Sim. E também se reconheço que sou o passado, o presente
e o futuro, eu sou tudo isso, e ocorra o que ocorrer tenho que lidar com o que
ocorre de imediato, não adia-lo, nem encontrar alguma desculpa e tudo mais.
Penso que é melhor que paremos. Não? Continuemos?
W: Sim, só acabamos de começar, certo!
K: Ah, só começamos! ”... (longa pausa)... E também
estávamos falando em Ojai, com o Dr. Bohm, o homem, os seres humanos teriam tomado
o curso equivocado?
W: Ele sempre tem tomado o curso equivocado!
K: E, portanto não há saída? Isso é “desesperante”, pensar
nesses termos é impossível.
DB: Bem, é o mesmo que dizíamos esta manhã sobre o
conhecimento. É dizer, o conhecimento é tempo.
K: O conhecimento é tempo.
DB: Porque é o passado que chega até o presente fazendo o
futuro. É o mesmo, não ter tempo e conhecimento, para colocar fim na atividade
do conhecimento. O conhecimento não é um conhecimento meramente abstrato, senão
que é muito ativo, porque faz o tempo.
K: O pensamento é tempo. Pode o pensamento deter-se?...
(longa pausa)... Devido ao pensamento ter criado toda esta bagunça, o
pensamento tem inventado as guerras, tudo é inventado pelo pensamento.
DB: Claro, também o pensamento inventou todo tipo de coisas
boas.
K: Claro, claro!
DB: Queremos dizer que o pensamento chega a seu fim, o qual
não quer dizer que as características úteis do pensamento se detenham.
K: Não, não, não! O pensamento tem seu lugar.
DB: Mas o pensamento dominante chega a seu fim, sim?
K: Não, quero dizer que o pensamento como tempo chega a seu
fim.
DB: De que tipo de pensamentos acaba sem tempo?
K: Vacuidade.
DB: Isso também é pensamento?
K: Não.
DB: Mas eu queria dizer suponhamos, que você tem que pensar
ao fazer algo.
K: Aí você tem que pensar.
DB: Mas, então o tempo entra quando você tem que pensar.
K: Sim, claro. Tenho um trabalho como cirurgião, ou o que
quer que seja, e tenho que pensar. Isso é correto e necessário pensar aí. Mas
estou questionando todo este tema de que o pensamento domine minha vida.
DB: Sim, pensado sobre si mesmo.
K: O pensar em si mesmo, pensar no futuro, pensar no
passado, pensar em minha família, — pensando, pensando, pensando. O pensamento
é limitado, minhas ações são limitadas, e, portanto, mais catástrofe e mais
miséria. Assim que pergunto a mim mesmo, se o pensamento pode chegar a seu fim
psicologicamente, internamente, mas externamente tenho que pensar, assim que
podemos deixar isso de lado. Então, o pensamento
pode chegar completamente a seu fim? O pensamento é conhecimento, o pensamento
é tempo, o pensamento é limitado, divisor, e o pensamento tem criado as
guerras, e as igrejas, e as coisas dentro das igrejas e templos e todo o resto
da mesma. Você vê que o pensamento é muito, muito limitado e destrutivo.
DB: Esse tipo de pensamento.
K: temos dito isso. Então, pode o pensamento chegar a seu
fim internamente? Isso significa: pode o conteúdo da consciência, que é o
resultado do pensamento, pode o conteúdo ser apagado? O medo, a ansiedade, a
angústia, todas as crenças, tudo isso é minha consciência. E isso é tempo. E
estou pedindo: pode o tempo, pensamento, chegar a seu fim? Mas o pensamento
como conhecimento na ocupação, nas profissões, na habilidade, é necessário. Não
temos que voltar a isso, repeti-lo uma e outra vez.
W: Mas poderia incorporar esta questão que surge no tema da
relação, entre duas pessoas? Então de ser assim: se o pensamento chega a seu
fim há algum tipo de apreensão direta entre as pessoas, mas o pensamento ter
chegado a seu fim no sentido de que não está dominado pela ideia do que esta
pessoa fez antes, ou o que poderia fazer no futuro, senão uma apreensão direta
de “o que é” nesse instante?
K: Agora, senhor, espere um momento. Minha mente — nossa
mente, não vou dizer minha mente — a mente de você está falando, falando sem
parar, lendo, todo o tempo tremendamente ativa a respeito de coisas triviais e
grandes coisas. Estou perguntando se o pensamento tem seu lugar, por que deveria
estar pensando no que seja? Entende minha pergunta? Por que deveria estar
pensando sobre meu futuro, meu passado, ou sobre mim mesmo, por quê? Por que
esta acumulação de conhecimento psicológica? Essa é realmente minha pergunta. O
conhecimento físico, o conhecimento para atuar com destreza em algum campo, ali
é necessário. Mas, é necessário o conhecimento interno?
W: Bem, me parece que o pensamento é parte de uma relação
criativa, mas é só um componente em todo o assunto.
K: Sim, mas, o pensamento é amor?
W: Não, não é.
K: Portanto...
W: Mas me pergunto um pouco se o pensamento não entra algo
no amor? Refiro-me a que está unido até certo ponto.
K: Não. Pergunto-me se o amor é pensamento.
W: Não, certamente, não.
K: Portanto, é possível amar a outro sem o pensamento? Amar a
alguém significa que não há pensamento. E se produz uma relação totalmente
diferente, uma ação diferente.
W: Creio que pode haver uma grande quantidade de pensamento
numa relação amorosa, mas o pensamento não é o primordial.
K: Não, quando há amor o pensamento pode ser usado, mas não
o contrário.
W: Não ao inverso, sim. Um tem uma primazia sobre o outro.
Considerando que o problema, o problema básico é que tende a ser ao contrário,
somos como os computadores que estão sendo dirigidos por nossos programas...
(longa pausa)... Creio que o que eu estava tratando de fazer a um minuto era
que se você disse que somos nossas relações, eu estava tratando de incorporar o
que disse sobre: pode o pensamento chegar a seu fim, na relação, e pensar que
tipo de relação existe sem pensamento? Creio que era isso o que eu estava
tratando de clarear.
K: Só há que ver o que ocorre sem pensamento. Tenho uma
relação com meu irmão, ou minha esposa, e essa relação não se baseia no
pensamento senão no fundo, profundamente no amor. E nesse amor, nesse
sentimento, esse sentimento estranho, por que deveria pensar em absoluto?...
(longa pausa)... O amor é compreensivo? E quando o pensamento entra nele é
divisor, destrói a qualidade, sua beleza.
W: Mas é o amor compreensivo, não é onipresente e não
compreensivo? Porque sustento que o amor não pode expressar-se adequadamente
sem pensamento.
K: Compreensivo no sentido de integro. Quer dizer, o amor
não é o oposto ao ódio.
W: Não.
K: Assim que em si mesmo não tem nenhum sentimento de
dualidade.
W: Suponho que o amor é muito mais uma qualidade da relação,
e uma qualidade do ser, que impregna.
K: Sim. Quando o pensamento entra nisso então me recordo de
todas as coisas que ela disse, ou que ele fez, os problemas, as ansiedades, tudo
isso se lança... (longa pausa)... Essa é uma de nossas grandes dificuldades,
realmente não temos compreendido o sentido deste amor que não é possessivo,
apego, ciúmes, ódio e tudo isso.
W: Não é ao amor uma espécie de grande conscientização de
unidade?
K: O amor não tem consciência, é amor. Não é que seja
consciente do amor e de que todos somos um. É como um perfume, é um perfume,
não se pode direcionar o perfume, o analisar o perfume, é um perfume
maravilhoso. E no momento em que o analisa o dissipará.
W: Sim, mas creio que — de acordo com o que você disse que é
um perfume, então é algo assim como uma qualidade, porém esta qualidade está
associada com este sentido de unidade, não é certo, que este é um tipo de
aspecto?
K: Mas você está lhe dando um significado.
W: Falo a respeito! Não estou tratando de precisar. Mas
quero dizer, pode haver amor sem nenhuma consciência desta unidade?
K: É muito mais que isso.
W: Está bem, é mais que isso. Porém, pode existir ao menos esse
sentimento de unidade que está aí?
K: Espere, espere um momento. Eu sou católico. E amo, sou
compassivo. Pode haver compaixão, amor, quando existe esta profunda convicção
arraigada, ideia, prejuízo? O amor deve existir com a liberdade — não a
liberdade de fazer o que gosto, isso é uma idiotice. A liberdade de escolha e
tudo isso não tem nenhum valor no que estamos falando, mas tem que haver uma
total liberdade para amar.
W: Sim, bem, o que ia dizer é o que poderia dizer é um
disparate, a Igreja Católica poderia ter um bom monte de amor, porém, tem limites
em certas situações.
K: É claro, sim, é claro!
W: Mas é como seu ponto, se pode ter um ovo que é em parte ruim!
Mas este sentimento de unidade é parte de todo o assunto, não?
K: Se temos amor há unidade.
W: Sim, está bem. Inevitavelmente. Isso me satisfaz. Estou
de acordo com você em que tendo um sentimento de unidade não se acende o amor.
K: Não, não... Veja todas as religiões e as pessoas que são
altamente religiosas, sempre tem convertido o amor e a devoção para um objeto
em particular, ou uma ideia em particular, um símbolo. O amor não tem nenhum
obstáculo. Esse é o ponto, senhor. Pode existir o amor quando o eu está? Claro
que não!
W: Mas se você diz que o eu é uma imagem fixa, então o amor
não pode existir com qualquer imagem fixa, com algo fixo, porque não tem
limites.
K: Isso é correto, senhor.
W: Mas eu acho que em relação ao diálogo e um movimento
entre duas mentes sem sentido de limite...
K: Ah!
W: e necessariamente fora do tempo, porque o tempo seria
colocar um limite, então algo novo pode surgir.
K: Mas, podem duas mentes alguma vez se encontrarem? É como
duas linhas de trem paralelas que nunca se encontram. É nossa relação com os
demais, como ser humano, esposa e esposo, etc., é sempre paralelo, cada um
perseguindo sua própria linha, e nunca se encontrando realmente, no sentido de
verdadeiro amor pelo outro — o amor, incluso sem objeto.
W: Sim, bem, na prática, claro, sempre há certo grau de
preparação porque...
K: Sim, isso é tudo o que estou dizendo.
W: Quero dizer que se a relação pode estar num nível
diferente, então não há mais linhas separadas no espaço.
K: Claro, claro! Mas para chegar a esse nível parece quase
impossível. Estou apegado a minha esposa. Eu digo que a amo. E ela se apega a
mim. E isso é amor? Eu possuo-a, ela me possui, e gosto de ser possuído, etc, e
todas as complicações da relação. E eu digo a ela, ou ela me diz: “Te amo”. E
isso parece nos satisfazer. E me pergunto se isso é amor em absoluto.
W: Bem, faz com que a pessoa sinta consolo durante um tempo.
K: E conforto é amor? ... (longa pausa)...
W: Refiro-me a que é limitado e quando um dos cônjuges morre,
o outro é miserável.
K: A solidão, as lágrimas, o sofrimento. Na realidade,
deveríamos falar disto. Eu conheci um homem que para ele, o dinheiro era Deus.
E tinha um montão de dinheiro. E quando estava morrendo queria olhar todas as
coisas que possuía. E as possessões era ele. Morria das possessões externas,
nas as possessões externas era ele mesmo. Não sei se estou... e ele não estava
temeroso deste estado de chegar a seu fim, mas sim de perder isso. Não sei se
estou transmitindo isto. Perder aquilo, não perder ele mesmo e encontrar algo
novo. A morte não... — não devemos começar com a morte neste momento. Já
chegaremos.
W: Bem, eu poderia fazer-lhe uma pergunta a respeito da
morte? Que se passa com um homem que está morrendo e quer ver a todos as
pessoas que tenha conhecido, a todos os seus amigos antes que morra, é isso um
apego a estas relações?
K: Sim, isso é apego. Ele vai morrer e a morte é bastante
solitária, é o clube mais exclusivo, a ação mais exclusiva. E nesse estado
quero reunir-me — minha esposa, filhos, netos, porque sei que vou perdê-los
todos e vou morrer, terminar. É uma coisa terrível. Outro dia vi a um homem que
estava morrendo. E, senhor, nunca havia visto tanto medo em minha vida, na
realidade, absolutamente temeroso de qualquer coisa que lhe termine. E eu
disse: —o conhecia — lhe disse, “De que você tem medo?” Ele disse: “Tenho medo
da separação de minha família, do dinheiro que tenho tido, das coisas que tenho
feito. E isto, disse, “é minha família, os quero muito”. E tenho medo de
perde-los.
W: Mas suponho que o homem pode querer ver a todos seus
amigos e sua família para dizer...
K: Adeus muchachos. Esse é um assunto diferente. Nos
reuniremos no outro lado!
W: É possível.
K: Eu conhecia a outro homem, senhor, é muito interessante, disse
a sua família, o próximo ano, em janeiro, vou morrer em tal e tal data. E nessa
data convidou a todos os seus amigos e sua família, disse: “Estou morrendo hoje”,
e fez o testamento: “Por favor, deixam-me”. Todos eles foram saindo da
residência, e ele morreu!
W: Sim, bem, se as relações com todas estas outras pessoas
eram para ele e ia morrer, e ele gostaria de vê-los pela última vez, e agora se
havia terminado — “estou morrendo, me morro”. Isso não é um apego.
K: Não, claro que não. E as consequências do apego é
doloroso, ansioso, há certa sensação de angústia, de perder.
W: Insegurança constante, medo.
K: A insegurança e tudo o mais que se segue. E a isso eu
chamo amor. Eu amor a minha esposa. E sei profundamente no interior, de todo o
tormento deste apego, porém não posso soltá-lo.
W: Mas você toda via se sente com pena de que sua esposa
esteja triste quando morra.
K: Oh, sim, isso é parte do jogo, parte de todo o assunto. E
pronto se coloca em cima dele e se casa com outra pessoa, e continua o jogo.
W: Sim. Você poderia estar preocupado e temeroso da dor de
outras pessoas.
K: Sim, senhor.
W: É de se supor que a aceitação da própria morte poderia
reduzir sua dor.
K: Não. Está o sofrimento preso ao medo? Eu tenho medo da
morte, tenho medo de acabar com minha carreira, com todas as coisas que tenho
acumulado tanto física como internamente, tudo isso chega a seu fim. E o medo
inventa então a reencarnação e todo o assunto. Então, pode realmente ser livre
do medo da morte? O que significa, posso viver com a morte? Não interpretem mal
isto. Eu não estou cometendo suicídio, senão, vivendo com ela, encantado com o
final das coisas — o final de meu apego. Minha esposa toleraria se eu dissesse:
“Terminou meu apego por você”?... Haveria angústia. Assim que estou questionando
este conteúdo da consciência colocado ali pelo pensamento, e o pensamento
predomina nossa vida, e digo a mim mesmo, o pensamento tem seu lugar, e só em
seu lugar e não em outro. Por que deveria haver pensamento em minha relação com
meu amigo, ou com minha esposa, ou alguma menina, por que deveria pensar nisso?
Quando alguém diz: “Estou pensando em você”, soa um tanto tonto.
W: Bem, frequentemente tem que pensar nos demais, por razões
práticas, claro.
K: Isso é outra coisa. Mas, estou dizendo, onde o amor está,
por que existe o pensamento? O pensamento na relação é destrutivo. Há apego,
possessão, se aferram um com o outro por consolo, por salvação, segurança, e
tudo isso não é amor.
W: Não, mas como você disse o amor pode fazer uso do
pensamento, e é ao que você chama atenção na relação.
K: Isso é outra coisa, sim, sim. Olhe: eu estou preso a você,
estou apegado a minha esposa, ou meu marido, ou o que seja, ou a um móvel. Eu
amo a minha esposa nesse apego, e as consequências disso são incalculavelmente
danosas. E posso amar minha esposa, sem apego? O maravilhoso que é, amar a
alguém sem querer nada de você.
W: Essa é uma grande liberdade.
K: Sim, senhor, assim que o amor é liberdade.
W: Mas, o que lhe parece se dizemos que se há amor entre
esposo e esposa, logo, se um morre, parece estar dando a entender que o outro
não teria dor. Creio que talvez é correto.
K: Creio que sim. Assim é, senhor.
W: Poderia transcender a dor.
K: A dor é pensamento. A dor é uma emoção, a dor é um
choque, a dor é um sentimento de perda; o sentimento de perder a alguém e de
repente encontrar-se a si mesmo completamente desolado e solitário.
W: Sim. Você se refere a um estado de solidão que é
contrário a natureza, por assim dizê-lo?
K: Então, se eu pudesse entender a natureza de finalizar,
terminar com algo todo o tempo — terminar minha ambição, colocando fim ao que
seja, terminar com a dor, acabar com o medo, colocar fim à complexidade do
desejo e termina-lo, o qual é a morte.
W: Sim, mas creio que os cristãos costumavam falar a
respeito de que é necessário morrer todos os dias.
K: Isso é correto.
W: A mesma ideia.
K: necessário morrer cada dia para tudo que psicologicamente
tenha reunido.
W: E todo o mundo está de acordo em que a morte é liberdade.
K: isso é verdadeira liberdade.
W: Não há dificuldade em apreciar isto. Quer dizer que você
quer transpor essa liberdade suprema em toda a vida?
K: Sim, senhor. Senão somos escravos. Escravos da escolha,
escravos de tudo.
W: Não donos do tempo senão escravos do tempo.
K: Escravos do tempo, sim.
W: Tenho estado interessado neste tema em particular da morte,
já que meu pai estava morrendo e o observamos.
K: Pobre homem.
W: Creio que é um homem afortunado. Tem sido toda uma
educação.
K: Uma vez me convidaram para uma casa onde o pai estava
morrendo, e a família me pediu para que fosse vê-lo. Senhor, era incrível. Aferrou-se
a vida como se... Aferrou-se a vida, com tanta ansiedade, com tanto temor; e
ele estava morrendo; morreu no dia seguinte, aferrando-se a tudo que tinha.
W: E suponho que sua morte era uma espécie de... Resume de
toda sua vida.
K: Toda sua vida, sim.